Vocês estão vendo a minha tela?

Vocês estão vendo a minha tela?

Planos de aula entregues, encerradas as primeiras semanas de adaptação e boas-vindas. O ano letivo estava começando, com o primeiro bimestre já apontando para as avaliações e trabalhos.

É na Educação que encontramos os primeiros ensinos práticos da empatia, respeito, solidariedade e honestidade.

Todos ouvimos e acompanhamos notícias de uma nova doença que se espalhava exponencialmente no Ocidente. Hoje é comum conviver com doenças, uma vez que, infelizmente, nem todos tem acesso a qualidade de vida com saúde, saneamento básico ou alimentação. As origens do novo vírus eram discutíveis, entre uma refeição por animais silvestres a erros de pesquisas laboratoriais.

Quando chegou ao Brasil, já estava causando pânico no mundo todo. O maior problema da doença era a falta de informações concretas sobre ela: contágio, sintomas ou tratamento. Um vírus que não é letal, mas que ao se manifestar no corpo afeta fortemente a imunidade, trazendo alto risco a qualquer um com histórico de doenças mais sérias.

Há alguns anos a educação tem utilizado da Internet e outras tecnologias para ampliar os recursos no aprendizado dos alunos, principalmente para os níveis superior e médio. Um cenário de pandemia mundial recolheu todos os alunos em suas casas, forçando a adaptação, inclusive dos níveis básico e infantil, para uma educação remota.

As práticas de ensino EAD já estão em vigor e em crescimento há anos. Há oficinas de ensino que ofertam cursos inteiramente online. Quando a pandemia mundial forçou todos a entrarem em quarentena, o opcional tornou-se obrigatório.

Agora todos estávamos em casa, refazendo o plano de aula. Alunos e professores afastados, ligados por vídeo chamadas. “Vocês estão vendo a minha tela? Desliguem os microfones, acessem o link, baixem o arquivo na plataforma, enviem vídeos ou fotos da atividade,” substituíram os comandos da sala de aula: “Peguem seus livros no armário, sentem em duplas, vamos usaras tesouras e cola”.

As horas extras de trabalho para planejar uma aula sempre foram parte da rotina do professor. Agora, essas horas a mais tomavam o dia todo. A nova rotina do professor era: acordar, cuidar da casa enquanto arruma o estúdio que criou para gravar vídeos, aprendera usar aplicativos de edição, criar uma conta no YouTube para subir todos os vídeos e desenvolver trilhas de aprendizagem que facilitassem para pais e alunos lerem e realizarem as atividades. O desafio de ensinar se tornou ainda mais difícil.

Os desafios cotidianos do trabalho do professor agora somam o plano de atendimento aos alunos de maneira remota. Não mais o contato diário com os alunos e domínio de turma, agora as aulas precisam ser adaptadas para a realidade das casas. Foi preciso adaptar o planejamento considerando a melhor maneira de levar o conhecimento para um grupo, sabendo que nem todos tem acesso ao mesmo acervo de recursos digitais.

Considerar a limitação dos lares brasileiros ao acesso à internet, bem como suas causalidades, é fundamental antes de iniciar o planejamento de ensino remoto. Outro fator fortemente influenciável no ensino remoto é a quantidade de analfabetismo funcional no Brasil. Se o vetor da comunicação será uma plataforma virtual, qual será melhor linguagem para atingir um aluno, se ele possui dificuldade de leitura, interpretação de textos, identificação de ironia e resolução de problemas matemáticos no dia-a-dia.

O analfabetismo funcional não surgiu agora. Trata-se de um problema histórico do sistema educacional sucateado com salas de aulas lotadas, faltas de condições mínimas para o ensino, falta de materiais, e etc. Com o surgimento do distanciamento social ocasionado pela pandemia, o momento evidenciou a gravidade deste problema.

Isto se evidencia também pela diferença de recursos disponíveis para alunos e professores da rede pública e da rede privada. Afrequência de aulas está em índices bem maiores para escolas particulares, enquanto na rede pública os alunos encontram barreiras para o acesso das aulas e os professores encontram a escassez dos recursos mais uma vez como obstáculo para lecionar.

Da mesma forma que o aluno não acessa as aulas, o professor não consegue acompanhar o desenvolvimento desse aluno diante das aulas que tem ministrado. A percepção do presencial foi substituída pelo papel das famílias de incentivarem o crescimento e avaliarem as dificuldades do educando.

Competir pela atenção do aluno contra tantas distrações que pode encontrar ao usar um celular ou um computador, além de exaustivo, tornava o trabalho ainda mais desafiador. E os alunos que não tem acesso ao computador ou celular? Aqueles que precisam dividir com 2 ou 3 irmãos, ou a reunião de trabalho do pai e a chamada da empresa da mãe durante a sua aula? Todo o modelo avaliativo precisava ser replanejado para que ninguém fosse prejudicado pela situação de isolamento social.

Com o ensino remoto, os professores se reinventaram. Adaptaram práticas do ensino presencial e evoluíram do uso do quadro para outras ferramentas que permitissem o entendimento do aluno. Agora, dando aula para seus alunos e no caso dos primeiros níveis da educação, os pais, avós ou cuidadores acompanhando cada uma das aulas.

O ensinar e o aprender tomaram novos caminhos. Pela educação está a porta do sucesso de cada sociedade. E na educação que encontramos os primeiros ensinos práticos da empatia, respeito, solidariedade e honestidade. Esses são ensinamentos fundamentais, que além do currículo escolar, têm sido reforçados durante esta pandemia.

A cada encontro online, professores e alunos, aprendem juntos a importância do contato diário e da aproximação com colegas de classe e com o ambiente escolar. O distanciamento social levou professores para dentro da casa de seus alunos, onde muitas vezes não era possível chegar. A barreira da sala de aula se rompeu e a profissão de professor ganha uma nova ótica e reconhecimento.

Após a pandemia é esperada uma prática de ensinar mais tecnológica, com novas ferramentas de ensino. O ensino remoto e híbrido provou seu valore sua importância, uma vez que se tornou a única alternativa. Há pouco tempo atrás, o professor era visto como um profissional que deixaria de existir, pois a Internet com todas as informações tomaria o papel de ensinar. Durante esta pandemia, no entanto, se comprova a importância do professor, filtrando no meio de tantas informações e fomentando o pensamento crítico diante das muitas fontes do saber. Muito além da alfabetização ou da matemática, o professor é o papel fundamental na vida de cada aluno para posicionar os pilares que formarão o cidadão da sociedade pós pandemia.

Apesar de todas as dificuldades e desafios, ensinar envolve o aprender. Neste momento para a adaptação do professor, o aprendizado tem sido elevado. Novas ferramentas descobertas, novos métodos de ensino que enriqueceram o trabalho e que não vai cair em desuso uma vez que voltem as aulas presenciais.

O reconhecimento do trabalho do professor por parte das famílias também passou a ser notável diante da situação. Ao encarar a responsabilidade sobre educar seus filhos, os pais têm reportado o reconhecimento do trabalho do professor. Há também reconhecimento por parte dos alunos que enfrentando dificuldade no aprendizado remoto, valorizaram a intermediação do professor, o ambiente escolar e o convívio com os colegas como troca de conhecimentos.

Enquanto permanecemos em distanciamento, podemos sentar um minuto para analisar quanto crescemos e nos desenvolvemos. Será que foi mesmo um ano perdido, como tem se alegado, ou podemos, mesmo em meio a dor pelas vidas perdidas e planos frustrados, tirar um balanço de bons frutos desta difícil situação que este ano nos trouxe? Esta é uma lição que cabe a cada um de nós analisar.

Ricardo Ferrari Lucas



← Voltar
Sem comentários

Comente