O país no vermelho

O país no vermelho

Por Ludmilla Amaral em 30/10/2015 às 20h00
Inflação e juros altos, crédito escasso, dólar a R$ 4 e desemprego epidêmico construíram o cenário perfeito para a escalada do calote
Um dos principais sintomas da saúde econômica de um País é a capacidade de cidadãos e empresas honrarem seus compromissos financeiros. Nesse aspecto, o Brasil é uma nação doente. Nas últimas semanas, saíram os indicadores relativos ao nível de inadimplência das pessoas físicas e jurídicas. Por mais que a crise seja uma realidade visível, é uma surpresa conhecer a dimensão da tragédia. Segundo levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 57 milhões de brasileiros – o equivalente a uma Itália inteira – estão com o CPF negativado (só aparece nessa condição quem tem contas em atraso). Significa, portanto, que cerca de 30% da população não consegue quitar seus boletos em dia. Entre janeiro e setembro, 2,4 milhões de consumidores – ou 8,8 mil por dia – tiveram seus nomes incluídos no cadastro dos devedores, um recorde histórico. As empresas enfrentam as mesmas dificuldades. Segundo o Serasa Experian, metade das firmas em operação no Brasil, o que corresponde a 4 milhões de CNPJs, não tem conseguido pagar suas faturas dentro do prazo. O motivo é o flagelo econômico do País. “A recessão tem sido terrível para as empresas e a população em geral”, resume Luiz Rabi, economista do Serasa Experian.
A combinação de inflação alta, juros elevados e desemprego crescente alimentou a escalada do calote. E não há outra razão para um panorama tão negativo a não ser a política econômica das duas últimas administrações petistas. O presidente Lula adotou medidas radicais de estímulo ao consumo, diminuindo os juros bancários e facilitando o crédito. No começo, a iniciativa até provocou algum efeito positivo ao oferecer oportunidades para milhões de brasileiros. O problema é que o governo não se deu ao trabalho de fazer correções de rumo. O consumo sem freio estimulou a alta de preços. Ao mesmo tempo, os juros subiram e os investimentos começaram a rarear. Daí para o desemprego foi um passo rápido. A soma desses fatores se tornou um fardo pesado demais. As contas, afinal, continuaram chegando e as pessoas se viram obrigadas a escolher quais dívidas pagar. “O brasileiro passou a viver no limite do orçamento”, diz Marcela Kawauti, economista-chefe do SPC Brasil. Segundo a especialista, os inadimplentes têm atrasado principalmente as faturas de energia elétrica, água e telefone, que cobram juros menores.
Muitos brasileiros perderam o emprego, mas as contas continuaram chegando. O jeito foi escolher o que pagar.
Para as empresas, a falta de dinheiro no bolso da população tem um impacto devastador. As indústrias vendem menos. O comércio fica parado. Para manter suas operações e gerar caixa, as companhias recorrem a empréstimos bancários. O problema é que o crédito sumiu. Quando aparece, é caro demais. Segundo o economista Luiz Rabi, do Serasa Experian, 90% das negativações são de pequenas empresas que não têm lastro para suportar a crise. As demissões em massa também acabaram se revelando um problema. “O custo demissionário é muito alto no Brasil”, diz o doutor em economia e coordenador do Ibmec, Reginaldo Nogueira. “Com tudo isso, a pressão sobre as finanças das empresas tem sido muito grande.” A crise é nacional, mas causou estragos maiores na região Sudeste, que concentra 50% do PIB do Brasil. O número de firmas inadimplentes nessa parte do País aumentou 17% em agosto ante o mesmo mês do ano passado – em nenhuma outra região o calote cresceu tanto. Outro dado mostra que as dificuldades não vêm de agora. Segundo o Serasa, 70% das dívidas em nome de pessoas jurídicas estão com mais de um ano de atraso, índice jamais contabilizado pela instituição. 
Na semana passada, os indicadores negativos não deram trégua. Na quinta-feira 29, dados do Pnad mostraram que o desemprego subiu a 8,7% no trimestre encerrado em agosto, o maior índice desde 2012, quando o IBGE começou a divulgar a pesquisa mensal. No mesmo dia, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) revelou que, em setembro, as vendas do setor caíram 3,94% na comparação com o mês anterior e 3,11% ante agosto de 2014. O dado preocupa porque o setor de supermercados é o último a sentir os efeitos da crise. Enquanto a economia do País patina, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, continua sua solitária cruzada pelo ajuste fiscal. “O problema fiscal ainda não foi tratado com a energia que deveria e muita gente no Congresso sabe disso”, afirmou em entrevista concedida em Londres, na quinta-feira 29. Desta vez, porém, Levy se revelou mais otimista. “Temos uma grande população, um grande mercado consumidor, companhias fortes. Precisamos criar um cenário em que as pessoas se sintam confiantes para avançar.”
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